segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Excluídos do Paraíso

Motivados pela intolerância, a sociedade, em grande parcela a cristã, vira as costas para realidade dos relacionamentos homossexuais. Cazuza cantou: “Brasil! Mostra tua cara; Quero ver quem paga; Prá gente ficar assim”. No caso dos gays, os próprios sofrem, física e moralmente agressões, desrespeito e discriminação.


Escolha ou orientação. A manifestação da homossexualidade no indivíduo humano faz parte das rodas de discussões acadêmicas. Na ciência, estudiosos buscam uma resposta para o despertar da homossexualidade. Na sociedade, muitos aguardam apenas o despertar da aceitação.

O gay geralmente é apresentado como uma pessoa que não é homem nem mulher ou é uma pessoa feminina descaracterizada como não sendo um homem. Ou, ainda, alguém com ‘alma de mulher’. É essa a definição dada pelo escritor João Batista Pedrosa em seu livro Segundo Desejo.

A palavra gay é originária do idioma inglês. No Brasil o termo é característico aos indivíduos do sexo masculino que se relacionam com outros do mesmo sexo. As mulheres que se envolvem sentimentalmente com outras recebem o nome de lésbicas.

Alguns homossexuais não têm escolha. Por possuírem trejeitos diferentes dos comuns são taxados como gays desde a infância. Na juventude e, principalmente na convivência com os outros estudantes, termos pejorativos como “veadinho”, “bixchinha” e “boiola” ardem sobre a moral como os cocorotes dados por dona Inácia na cabeça de negrinha, relatado no conto de Monteiro Lobato.

Mas será opção ou orientação? É possível desde a infância uma criança ter compreensão da escolha sexual? Estudos científicos apontam que da mesma forma que acontece com os heterossexuais, para os homossexuais não existe a escolha do ser ou não ser.

Até o ano de 1980, o “Manual de Diagnóstico Psiquiátrico” oficial apontava a homossexualidade como distúrbio mental. Era usada a nomenclatura de sufixo ‘ismo’, associado a palavras que designam doenças (homossexualismo). Com a adoção do sufixo ‘dade’ (maneira de ser), o novo termo (homossexualidade) passou a expressar estilo de vida.

Médicos e psicólogos não chegaram a um acordo sobre o despertar da homossexualidade. Estudos levantam a hipótese da genética desempenhar importante papel na orientação sexual. Em pesquisa realizada no Instituto Salk da Califórnia (EUA), o Dr. Simon LeVay, em 1991, apontou que o Núcleo Intersticial do Hipotálamo Anterior (NIAH-3), parte do hipotálo, responsável por regular fome, sede, temperatura, alguns hormônios e funções sexuais, apresenta-se grande nos homens heterossexuais e nas mulheres homossexuais e pequeno nos homens homossexuais e mulheres heterossexuais.

Sobre o estudo, Dr. Simon LeVay levanta a questão: “As pessoas não acham estranho que suecos tenham genes que tornam loiros seus cabelos, fisicamente distintos dos cabelos dos africanos. No entanto, ficam irritadas quando você sugere que há genes que fazem alguns cérebros serem fisicamente distintos dos outros”.

Dr. LeVay ainda complementa: “Sabemos que a construção do cérebro é governada por nossos genes. E, por via de conseqüência, a mente também está sobre influência dos genes. Assim, é lógico pressupor a existência de diferenças na mente. Acredito que a homossexualidade é uma variante natural, ainda que minoritária, da sexualidade humana”.


Sociedade

João Batista Pedrosa, psicólogo clínico especializado no atendimento à pessoa homossexual, relata em seu livro que quando pergunta a uma pessoa homossexual se escolheu ser assim, invariavelmente a resposta será: “Não, não escolhi!”.

Sobre as perguntas realizadas aos pacientes em consulta ele descreve: “E se você tivesse a opção de escolher seria gay ou heterossexual? A resposta seria heterossexual. Por que você quer ser heterossexual? Porque ser gay, ainda, traz muito sofrimento por conta da intolerância social. E você gostaria de ‘virar’ heterossexual? Já tentei várias vezes, mas não consigo deixar de ter atração por outro homem”.

Essa atração incompreendida por alguns é o empuxo de agressões. Ofensas físicas e morais são descarregadas diariamente sobre os homossexuais. O antropólogo e presidente da organização não governamental (ONG) Grupo Gay da Bahia, Luiz Mott, apresentou dados alarmantes. Em 2007, 122 gays morreram por ações motivadas pela homofobia, tornando o Brasil campeão mundial de assassinatos de homossexuais. É uma média de um morto a cada três dias no país. O segundo país em número de assassinatos anuais é o México, com 35 homicídios, seguido pelos Estados Unidos, com uma média de 25 casos por ano.

Geralmente os agressores são do sexo masculino. Alguns homens utilizam a hostilidade e a violência contra os homossexuais como forma de se sentirem mais seguros quanto a sexualidade. Outro fator que leva a homofobia é a combinação entre medo e moralismo, na qual os homossexuais são tidos como ameaças para o universo moral.


Religião

Existem os que unem o homossexual ao conceito de promiscuidade. Para essas pessoas é impossível perceber em dois homens, ou duas mulheres, o desejo de construir e não desconstruir a família. São homossexuais que percorrem caminho contrário ao de Neuzão, personagem do filme “Ó pai, ó”. Dona de um bar, ela passava o dia bebendo e galanteando mulheres.

Certas vezes, esse conceito moral utilizado como arma para as agressões é proveniente de pensamentos e ações de grupos religiosos. No ano passado, na semana da primeira parada gay de Campina Grande (130 km de João Pessoa), uma entidade evangélica retomou campanha pela valorização da família, suspensa pela Justiça por possuir conteúdo preconceituoso contra os homossexuais. A campanha espalhou pela cidade 11 outdoors com as frases "Família, projeto de Deus" e "E fez Deus homem e mulher e viu que era bom".

Luciana Pauli, assistente social da Federação das Apaes do Espírito Santo, conta que vivenciou com um amigo uma situação de renúncia pela igreja. “Sou evangélica e tenho um amigo homossexual que foi criado na igreja junto comigo. Nunca desconfiamos, até porque ele chegou a ter duas namoradas. Acredito que meu amigo não era feliz e isso o motivou a assumir sua posição para a igreja e família. O pastor formou uma comissão que decidiu excluir meu amigo como membro. Depois que ele foi expulso, os amigos de infância, deixaram de falar com ele cessaram a convivência pelo fato dele ser gay”.

Dr. Gregory Herek, psicólogo da Universidade da Califórnia em Davis, realizou uma investigação mostrando que o maior grupo de pessoas contra os homossexuais são aquelas para a qual os gays e lésbicas “representam o sinônimo do mal”. “Essas pessoas acham que odiar homens homossexuais e lésbicas é o teste último que prova serem uma pessoa moral”, esclareceu Dr. Herek.

Outros estudiosos acreditam que ao discriminar os homossexuais, chegando a odiá-los é a maneira encontrada por algumas pessoas de reafirmar a si próprios que não são gays. Tal atitude geralmente é movida pela incerteza quanto à própria orientação sexual. Existem também aqueles que sentem atração por pessoas do mesmo sexo e, ao realizar o ato homossexual, sentem-se culpados com tamanha grandeza e encontram o assassinato como única forma de livrar-se de tal peso.

Os negros e as mulheres saem da realidade que se assemelha a dos homossexuais. Nos anos 60, na questão feminina, o famoso episódio da queima dos sutiãs. O marco de um acontecimento que levou as mulheres à mobilização em luta comum. Nos dois casos, receberam a seguridade jurídica com leis de resguardo a integridade.

Todos os anos as paradas do orgulho GLBT transformam as ruas em palcos para “encenação” da queima dos sutiãs homossexual. Em 2006, a maior parada da América Latina, São Paulo, levantou o debate contra a homofobia.

A Lei de Combate a homofobia, tramita em passo contrário a vontade dos que aguardam por ter os direitos assegurados. Cerca de 187 deputados e 28 senadores ligados a grupos religiosos não apoiam uma série de propostas: legalização da união civil, homofobia como crime, mudança de nome pelos na documentação por transexuais e a data de 28 de junho como Dia Nacional do Orgulho Gay.

Suélen D. V., membro e líder de escola sabatina (estudos da bíblia que acontecem no sábado), da Igreja Adventista do Sétimo Dia, coloca-se contra a união homossexual. “Em minha igreja buscamos andar o mais próximo possível dos ensinamentos da bíblia e nela Deus condena a homossexualidade.

“Pois até as mulheres trocam as relações naturais contra a natureza. E também os homens deixam as relações naturais com as mulheres e se queimam de paixão uns pelos outros. Homens têm relações vergonhosas uns com os outros e por isso recebem em si mesmos o castigo que merecem por causa dos seus erros” (Romanos 1 18 – 32)

Suélen também é mãe de um homossexual. Sobre a relação com o filho ela lamenta ser um tanto conturbada. “Eu amo meu filho. Fico muito triste em saber da escolha dele. Desde a adolescência eu possuía dúvidas em relação a sexualidade. Mas isso não me impediu de orientá-lo e deixar o caminho livre para uma possível conversa. Entretanto, fiquei mais chateada com a maneira que ele expôs a orientação sexual do que ela em si. Afinal, Deus condena o pecado e não o pecador”.

A luta pela legalização do casamento homossexual e dos direitos que devem ser assegurados pelo estado é uma discussão jurídica e não religiosa. Existem questões que devem ser julgadas com olhares da lei. A não aceitação dos cultos religiosos a homossexualidade é totalmente aceitável. É direito constituído a liberdade de expressão. O que não deve se admitir é que esse direito seja deturpado e transformado em discriminação.

Precisa-se aceitar a diversidade. É como conta Fernando Bonassi em “15 Cenas de Descobrimentos de Brasis”: “Dois em cada três brasileiros já fumaram maconha. Três em cada cinco brasileiros acreditam em Deus. Cinco em cada oito brasileiros morderam a hóstia durante a comunhão. Oito em cada treze brasileiros preferem sexo anal. (...) Vinte em cada vinte e dois brasileiros não têm terra. Vinte e dois em cada vinte e três brasileiros têm certeza que seu azar é específico”.